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domingo, 12 de fevereiro de 2017

Minha lousa arenosa - Gilberto Costa


Escrevi minhas primeiras letras com uma caneta de cipó de marmeleiro na lousa arenosa do Rio Seridó. Gostava de desafiar as cheias com palavras escritas em suas areias. Era uma peleja grande. Mal terminava as frases, eram apagadas pelas águas. Dava uns passos para trás e reescrevia o que pensava que teria feito e inventava outras palavras. E as águas me empurravam para casa e eu me frustrava por não ter onde escrever minhas palavras.

O caderno era para as atividades da escola. Não havia espaços para outras invenções. E eram nas areias onde me socorria para escrever minhas poesias. Às vezes pensava que as águas não gostavam de poesias e não me queriam nas areias do rio. Outra imaginava que as águas tinham sede de palavras porque as devoravam assim que eram escritas. Também achava as águas egoístas. Elas não deixavam sequer uma poesia para mim.

Teve um dia que mergulhei no fundo do Poço de Sant’Ana à procura de minhas poesias que as águas do Rio Seridó tinham de mim surrupiado. Não as encontrei, as águas as tinham escondido bem escondidas no santuário da serpente. Temi acordá-la e desisti de reaver meus escritos.

Fiquei imaginando um jeito de dividir minhas poesias com as águas para que elas não ficassem magoadas comigo. E o único canto para guardá-las bem guardado foi na cabeça que achava caber tudo que eu inventava. Pronto, águas podem ficar com uma cópia! A minha está na memória.

Mas, não encontrei paz para minhas palavras. Logo chegou o coração para reivindicá-las. E nele as palavras são mais bem cuidadas! São lapidadas! São acariciadas! São reinventadas! São espalhadas ao vento em busca de tempo.

Por Gilberto Costa

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